INVENTÁRIOS – o que eu guardei pra você

Novo espetáculo do Grupo Cena, dirigido por Guilherme Reis, apresenta pela primeira vez no Brasil texto que questiona as fronteiras entre o público e o privado

Trilha sonora original leva a assinatura do músico André Abujamra

Por que a vida real, com sua complexidade, muitas vezes é capaz de provocar mais interesse do cidadão comum do que a própria ficção? O que leva três mulheres comuns de meia idade a revelarem detalhes íntimos de sua vida, senão o interesse de se inserir num mundo que cultua as celebridades instantâneas e que confunde o privado e o público? Estas são as primeiras questões que vêm à mente quando se fala do espetáculo Inventários – o que eu guardei pra você, novo trabalho do Grupo Cena, que o Espaço Cena (CLN 205 norte) apresenta de 11 a 21 de julho de 2013.

Inventários – o que eu guardei pra você encena, pela primeira vez no Brasil, uma das mais conhecidas obras do dramaturgo francês Philippe Minyana. Na França, o texto já foi adaptado para a televisão, transformando-se em seriado, e para o cinema, sob direção de Jacques Renard. Este imenso interesse tem uma explicação: a peça aborda um tema inquietante para a sociedade contemporânea, a tênue fronteira entre o público e o privado. Até onde se pode ir para alcançar a celebridade? Quanto cada pessoa está disposta a expor sua vida?

Inventários (Inventaires) foi a primeira peça escrita por Philippe Minyana, em 1987, num pressentimento da invasão dos reality shows nas televisões de todo o mundo. Em cena, um apresentador coordena um jogo para o qual são convidadas três mulheres. Elas deverão desnudar seu interior diante de todos. Trarão provas do que contam, apresentando objetos, e tudo será exibido da melhor maneira possível, com luzes que acendem e apagam, campainhas que tocam, provocações, memórias. O texto mostra, com muito humor, as dores e felicidades de mulheres contemporâneas que buscam a glória, mesmo que seja efêmera.

A primeira encenação brasileira de Inventários é dirigida por Guilherme Reis, diretor e fundador do Grupo Cena, e conta com as atrizes Adriana Lodi, Bidô Galvão e Carmem Moretzsohn, no papel das participantes. Interpretando o apresentador está o ator William Ferreira. Adereços e figurinos de Eduardo Baron. A cenografia, direção técnica e iluminação levam assinatura de Dalton Camargos. Trilha sonora original de André Abujamra e visagismo de Ricardo Maia.

Este projeto foi contemplado pela Fundação Nacional de Artes – FUNARTE no Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz 2011 e teve sua montagem patrocinada pelo Centro Cultural Banco do Brasil em Brasília.

O ESPETÁCULO

Inventários brinca com a noção do público e do privado, em tom de comédia, capaz de emocionar. No espetáculo, três mulheres competem numa espécie de limbo televisivo, um aparente reality-show no qual expõem suas vidas num verdadeiro “sincericídio”. Todas elas têm um objeto do qual parte o monólogo de cada uma: um vestido, uma bacia, uma luminária. Cada uma delas é convidada a se apresentar e a partir daí inicia-se um jogo frenético. O apresentador interrompe-as ao longo de sua catarsis, às vezes oportunamente e outras não, acompanhando as participantes, dando indicações e marcando o ritmo da obra. A partir de cada objeto, cada mulher confessará suas dúvidas, ansiedades, angústias e também os seus (raros) momentos de felicidade.

Esta é a primeira vez que Jacqueline, Angela e Bárbara têm holofotes sobre sua pequena existência e quando as válvulas são abertas, o fluxo não pára mais. Aos poucos, os espectadores vão percebendo que nada é exatamente como aparenta. Por trás da bondade de Jacqueline, há frustração e raiva. Por trás da candura de Angela, há solidão e desespero. E por trás do ar de superioridade de Barbara, há a amargura e o sofrimento nascido da falta de amor e da violência.

O princípio do jogo é simples: cada uma deve trazer um objeto que fale de perto a seu coração, contar a história dele e, ao fazê-lo, falar de sua própria história, suas dúvidas, medos e também de seus momentos felizes. Conflitos conjugais, miséria social, a morte miserável, desamor são temas alinhados numa galeria em meio a objetos que se confundem com elas mesmas. São relatos que fazem rir e emocionam. O espectador é tomado por um turbilhão de palavras que vão, aos poucos, delineando a vivência e o temperamento daquelas três mulheres – aparentamente tão comuns.

Inventários – o que eu guardei pra você coloca em cena a noção singular que o dramaturgo Philippe Minyana tem da escritura teatral. Para ele, trata-se sempre de um laboratório permanente, uma química de paixões, que coloca em cena um mundo incerto e deslocado de emoções. As frases são ditas num fluxo contínuo, com um sentimento de urgência, dando a impressão de que o discurso está sendo construído no momento presente e que a palavra tem autonomia para ser dita. Já se disse que Philippe Minyana “escreve partituras para a cena e não acredita em personagens, mas em seres que falam, esfinges, emblemas que compõem uma vasta e complexa alegoria do mundo contemporâneo” (Fréderic Maragani). Para Minyana, o que importa é a pessoa real no teatro sobre o palco.

O AUTOR

Philippe Minyana, cujo nome verdadeiro é Philippe Miñana, é um dramaturgo francês, nascido em Besançon, em 1946. Começou a escrever para teatro em 1979 e de lá para cá já assinou cerca de 40 peças teatrais, ao mesmo tempo em que atua como ator e diretor. É ainda autor de livretos de ópera. Alguns de seus textos foram adaptados para a televisão, como Madame Scotto (1987), Inventários (1991), André (1992) e Papa est monté au ciel (1998). Suas obras utilizando material real (notícias, entrevistas) e, assim, dão voz às pessoas comuns. Para ele, um texto teatral está sempre em movimento.

Sensível e atento ao mundo que o rodeia, Minyana, às vezes, pressente o surgimento de fenômenos sociais, como o reality show (Inventários) ou trata de temas tabus, como incesto (Chambre) – os dois textos integram o programa de bachalerado na França, na opção Théâtre. Junto com o texto André, estas obras se caracterizam pela presença de monólogos construídos pela memória.

Suas peças mais recentes têm sido editadas pela editora L’Arche. Três delas, Voilá (Eis aqui), Tu devrais venir plus souvent (Você deveria vir mais vezes) e J’ai remonté la rue et j’ai croisé des fantômes (Subi a rua e cruzei com fantasmas) foram publicadas num único volume em 2008. Seguiram-se Les Rêves de Margaret, Sous les arbres, De l’amour (Sonhos de Margaret, sob as árvores, do amor), de 2011, e Cri et Ga cherchent la paix, et autres textes (Cri e Ga buscam a paz e outros textos), de 2013. Praticamente todas suas peças foram encenadas, muitas em espaços dos mais prestigiados da França, como a Comédie-Française e o Théâtre de la Ville.

No Brasil, Minyana permanece pouco conhecido. De sua obra, foram montados André, em 2008, sob direção de Christiane Jatahy, e Suite 1, sob a direção de Márcio Abreu, da Companhia Brasileira de Teatro, de Curitiba.

FICHA TÉCNICA

GUILHERME REIS – DIREÇÃO E CENOGRAFIA: Ator, diretor e produtor cultural. Criador e diretor do CENA CONTEMPORÂNEA – Festival Internacional de Teatro de Brasília. Como ator participou de montagens como Os Saltimbancos, O Noviço, A Vida É Sonho, O Exercício, Pequenos Burgueses, Caça aos Ratos, Mão na Luva, Valsa Americana, Vestido de Noiva, Arlequim Servidor de Dois Patrões, Álbum Wilde Os Demônios, sendo dirigido por Hugo Rodas, Antonio Abujamra, Zeno Wilde, B. de Paiva, Fernando e Adriano Guimarães, entre outros. Dirigiu espetáculos como A Revolução dos Bichos (1980), Pedro e o Lobo (1983 e 1994), Reta do Fim do Fim (Prêmio Villanueva de Melhor Espetáculo Estrangeiro de 1997 em Cuba), Movimentos do Desejo (1998) e Reveillon (1999). À frente do Grupo Cena, já assinou a direção de espetáculos como Dinossauros (2005), Varsóvia (2008), Fronteiras (2009), Heróis – o Caminho do Vento e Bagatelas (2010).

ADRIANA LODI – ATRIZ: Formada em bacharelado e licenciatura em Artes Cênicas pela UnB, é atriz de teatro e cinema. Desde de 2001 é professora e desenvolve projeto de formação de atores no Espaço Cultural 508 Sul. Também foi professora da Faculdade de Artes Dulcina de Moraes de 2002 a 2006. Coordena as Atividades formativas do CENA CONTEMPORÂNEA – Festival Internacional de Teatro de Brasília, desde 2007. Atuou em vários espetáculos como Os Demônios (Hugo Rodas e Antônio Abujamra), Aquilo que Serve de Lembrança (de Irmãos Guimarães); Projekt Ophélia (de Fernado Villar); Fuck you Baby (de Hugo Rodas); Cartas de um Sedutor (de Hilda Hilst / dir. Genilson Pulcineli e Willian Ferreira), Bagatelas (dir. Guilherme Reis), entre outros. Também desenvolve carreira no cinema, tendo feito, os curtas Uma Questão de Tempo, de Catarina Accioly e Gustavo Galvão, A Menina que Pescava Estrelas, de Ítalo Cajueiro, e A Noite por Testemunha, de Bruno Torres, em finalização. Recebeu prêmio de melhor atriz pelo curta Entre Cores e Navalhas, nos festivais de cinema de Guarnicê no Maranhão e em Triunfo em Pernambuco. Atuou no longa metragem de José Eduardo Belmonte, Se nada Mais der Certo, e em Galinha Preta, de Cibele Amaral.

BIDO GALVÃO – ATRIZ: Ana Cristina F. Galvão, de nome artístico Bidô Galvão, tem atuado na cidade como atriz desde 1980, além de ser professora do departamento de Artes Cênicas da Universidade de Brasília desde 1992. Entre as décadas de 1980 e 90, ganhou vários prêmios de melhor atriz, como o do Festival Universitário de Blumenau (1992). Em 1994, participou do longa-metragem Louco por Cinema, de André Luís de Oliveira, dentre outros, e desde então, vem atuando também em projetos cinematográficos. Trabalhou com diversos diretores de teatro da cidade como João Antonio (Valsa nº 6); Alexandre Ribondi (Abigail é mais velha que Procópio); Guilherme Reis (Reveillon, Varsóvia, Bagatelas); Fernando Vilar (Medeações); Fernando e Adriano Guimarães (Vestido de Noiva), Hugo Rodas (Rei da Vela e Jardim das Cerejeiras), dentre outros. Integrou a Companhia dos Sonhos dirigida por Hugo Rodas, que nesse período participou de diversos festivais de teatro no Brasil. Integrou o elenco da peça Os Demônios, dirigida por Antonio Abujamra e Hugo Rodas e apresentada em Brasília e no Rio de Janeiro.

CARMEM MORETZSOHN – ATRIZ E TRADUTORA: Atriz desde 1980, além do teatro destaca-se também como jornalista e assessora de imprensa especializada na área cultural. No teatro, são mais de 30 anos de palco. Trabalhou com diretores como Guilherme Reis, Fernando e Adriano Guimarães, Marcelo Saback, Fernando Villar e Hugo Rodas. Integrou a Companhia dos Sonhos dirigida por Hugo Rodas, participando de diversos festivais internacionais. Em 2005, a companhia apresentou o espetáculo Rosanegra – uma saga sertaneja, do qual foi autora do texto e atriz. Em cinema, participou de filmes como Celeste & Estrela (2005) e The Book Is On The Table (1999), ambos de Betse de Paula, O Cego que Gritava Luz (1997), de João Batista de Andrade, Doces Poderes (1997), de Lúcia Murat, dentre outros. Integra o Grupo Cena desde a primeira montagem, Dinossauros, na qual divide a cena com Murilo Grossi. Atuou na peça Os Demônios, sob direção de Antonio Abujamra e Hugo Rodas, em Varsóvia e Bagatelas. Recebeu o prêmio de melhor atriz do Prêmio SESC do Teatro Candango pelo trabalho em Cabaré das Donzelas Inocentes, em 2010, dirigida por Murilo Grossi e William Ferreira. Traduziu, dentre outros, os textos de Dinossauros, Varsóvia, Fronteiras e Heróis.

WILLIAM FERREIRA – ATOR: Ator, diretor, bailarino, cenógrafo, já trabalhou com todos os grandes diretores de teatro de Brasília, como Hugo Rodas, Adriano e Fernando Guimarães, Miriam Virna, dentre vários outros. Também atua no cinema e na televisão. Entre seus últimos trabalhos no teatro, destacam-se A Obscena Senhora D, Os Demônios e Resta Pouco a Dizer. Dirigiu a peça Cabaré das Donzelas Inocentes, para o CCBB Brasília e Rio de Janeiro. Em cinema, atuou no longa Araguaya – A Conspiração do Silêncio, de Ronaldo Duque e nos curtas-metragens Maria Morango, de Érico Cazarré; Uma Questão de Tempo, de Catarina Accioly e Gustavo Galvão e As Incríveis Bolinhas do Dr. Sorriso Sarcástico, de Gustavo Galvão. Na televisão, participou das novelas A Favorita, de João Emanuel Carneiro, e Viver a Vida, de Manoel Carlos, entre outras. Recentemente atuou na produção cinematográfica nipo-austríaca “Aun”. É um dos protagonistas do espetáculo Heróis – o Caminho do Vento e de Bagatelas, os dos mais recentes do Grupo Cena.

DALTON CAMARGOS – DIREÇÃO TECNICA E ILUMINAÇÃO: Um dos mais experientes iluminadores do país, Dalton Camargos tem se destacado ultimamente por sua atuação na área da fotografia e do vídeo e de sua utilização na criação cênica. Trabalhando com praticamente todas as companhias de Brasília, tem ainda acompanhado companhias brasileiras em turnês no exterior, entre elas a companhia da coreógrafa Cristina Moura e o Quasar Cia. de Dança, de Goiânia. Muitas vezes premiado pela criação de luzes para espetáculos, Dalton tem experiências também na área das artes visuais.

ANDRÉ ABUJAMRA – TRILHA SONORA ORIGINAL: Cantor, compositor, multinstrumentista e ator brasileiro, na década de 1980, montou a banda Os Mulheres Negras, com a qual lançou dois CDs: Música serve para isso (1988) e Música e Ciência (1990). Em 1992, criou a banda Karnak, que gerou os CDs Karnak, Universo Umbigo, Original (este último voltado para o mercado europeu) e Estamos adorando Tokio. Com o fim da Karnak, em 2002, André Abujamra seguiu em carreira-solo. É também um prestigiado autor de trilhas sonoras para teatro e cinema. São dele, por exemplo, as trilhas de filmes como Ação entre amigos, de Beto Brant, Um copo de cólera, de Aluísio Abranches, Nem gravata, nem honra, de Marcelo Masagão, Domésticas, de Fernando Meirelles, e Carandiru, de Hector Babenco. No teatro, é autor das trilhas sonoras originais dos espetáculos Caça aos Ratos, de 1991, e Os Demônios, de 2007.

INVENTÁRIOS – O QUE EU GUARDEI PRA VOCÊ

Texto: Philippe Minyana Direção: Guilherme Reis Elenco: Adriana Lodi, Bidô Galvão, Carmem Moretzsohn e William Ferreira Iluminação, Cenário e Vídeo: Dalton Camargos Trilha sonora original: André Abujamra Figurino: William Ferreira Assistente de Direção: William Ferreira e Chico Sant’anna Tradução: Carmem Moretzsohn Montagem e Operação: Israel Ferreira Fotos: Diego Bressani Programação visual: Assessoria de Imprensa: Objeto Sim Produção executiva e Administração: Grupo Cena e Cláudia Gomes Coprodução: Cena Promoções Culturais e Quadra Produções Culturais *Este projeto foi contemplado pela Fundação Nacional de Artes – FUNARTE no Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz 2011

SERVIÇO
Local: Espaço Cena – 205 norte
Data: de 11 a 21 de julho de 2013
Horários: de quinta a sábado às 21h; domingo às 20h
Ingressos: R$ 30,00 (inteira) e R$ 15,00 (meia)
Classificação indicativa: 14 anos

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