46º FBCB – Debates segundo dia das mostras competitivas
O bom humor e um certo clima de nostalgia imperaram no debate da manhã desta sexta-feira, dia 20, dedicado aos filmes das mostras de documentário exibidos na noite de quinta, no Cine Brasília, dentro da programação do 46º FESTIVAL DE BRASÍLIA DO CINEMA BRASILEIRO. Sob mediação da jornalista Maria do Rosário Caetano, sentaram-se Thiago Brandimarte Mendonça, diretor do curta-metragem O Canto da Lona, acompanhado da produtora executiva Renata Jardim e de Lérida Coutinho (personagem do filme), e Tiago Campos, diretor do longa O Mestre e o Divino, ao lado do produtor do filme, Vincent Carelli, de um dos protagonistas, Divino Tserewahú, e do fotógrafo Ernesto de Carvalho.
Thiago Brandimarte Mendonça volta a Brasília depois de conquistar três prêmios no Festival do ano passado, dentre eles o de melhor curta documentário, por A guerra dos gibis, no qual divide e direção com Rafael Terpins. Na nova produção, O Canto da Lona, o diretor mais uma vez bebe da cultura popular, ao reunir ex-artistas de circo-teatro para contar um pouco de suas vidas e carreiras. “Eu tinha vontade de fazer um filme sobre o circo, vinha conversando sobre isso com o pesquisador José Ramos Tinhorão. Daí, conheci a filha de dona Lérida (Coutinho), que também tinha este desejo. Decidimos contar esta história”, revelou Thiago.
O filme foi rodado dentro do Teatro Folias – nas palavras de Thiago, “um templo de resistência teatral no centro de São Paulo” – durante uma semana e seguiu o esquema do filme-processo, quando há espaço para o improviso. “Não sabíamos o que iria acontecer. Tínhamos a ideia de mostrar um pouco como era o circo-teatro que existia em São Paulo e no interior do estado, pedir a todos os personagens que apresentassem uma cena e uma canção que tivessem marcado suas vidas e carreiras. Depois, uma coisa foi puxando a outra”, explica o diretor.
Personagem carismática do curta, Lérida Coutinho emocionou-se ao dar seu depoimento. “Eu fiquei mais de 40 anos desatualizada da minha função no circo”, disse, explicando o desafio que significou tomar contato novamente com o ambiente no qual foi criada. “Eu comecei na vida circense com quatro anos de idade, fazendo acrobacia, com o número que a gente chamava de força capilar. Um dia tive uma queda (eu não podia passar creme nos cabelos e passei sem avisar minha mãe), despenquei de 10 metros de altura e fui parar na arquibancada. Quebrei muitas costelas. Depois disso, comecei a cantar”, revelou a artista. E foi sob os acordes de Samba da minha terra, interpretado por Lérida Coutinho, que o debate foi encerrado.
Um filme e três cineastas
Não foram poucas as questões que instigaram o jovem cineasta Tiago Campos a comentar a opção pelo personagem Adalbert Heide, o mestre do longa-metragem O Mestre e o Divino, segundo a ser exibido na mostra competitiva documentário. Uma das mais polêmicas talvez tenha sido a de que Heide já enfrentou acusações de pedofilia. Tiago e o produtor Vincent Carelli, criador do projeto Vídeo nas aldeias, foram unânimes ao afirmar que “há boatos, mas nunca se comprovou nada. O que a gente sabe é que o Álvaro Tukano denunciou as missões salesianas ao IV Tribunal Russel e todos os internatos salesianos nas missões Xavantes foram fechados a partir de 1980”, contou Carelli.
Adalbert Heide é um missionário alemão que chegou às terras dos índios Xavantes, em Sangradouro, Mato Grosso em 1957 e começou a filmar toda a rotina, os rituais, a paisagem local, com uma câmera de Super-8. Seu acervo é hoje uma preciosidade. Vários anos depois, Divino, um jovem Xavante, ex-interno da missão salesiana, também ganhou uma câmera e passou a fazer o mesmo, sob o olhar de quem nasceu e foi criado ali. O longa de Tiago Campos utiliza filmagens dos dois cineastas e impõe um terceiro olhar, o seu próprio, em O Mestre e o Divino. O filme é, então, uma junção das três perspectivas, apresentadas sempre com muito bom humor. “Eu sou palhaço”, disse Tiago pouco antes da exibição do filme, ainda no Cine Brasília.
O filme foi rodado ao longo de dois períodos, o primeiro de uma semana e o segundo de um mês, durante o qual Tiago e equipe foram se aproximando dos dois personagens centrais. Tanto Adalbert Heide quanto Divino são personagens de grande carisma. “Eu cheguei preparado para o ataque, pois tinha a imagem de Adalbert como sendo muito carrancudo. Nosso objetivo geral era conseguir resgatar o acervo que ele tinha. Aos poucos, fomos sendo seduzidos por ele, reconhecendo a complexidade da personagem, vendo a relação dele com o Divino”, revela Tiago. E a imagem foi mudando: “A gente não conseguia fugir muito da caricatura de um personagem chato, mas como testemunhamos o lado humano dele, tentamos deixar espaço para o personagem também seduzir as pessoas”. O produtor Vincent Carelli acrescentou: “O Tiaguinho buscou briga o tempo todo para levantar as questões que já tínhamos pensado em abordar, mas os dois lados fugiram da raia”, brincou. “Quisemos fugir do maniqueísmo e, ao contrário, trazer a realidade com todas as suas contradições”.
A produção do filme ainda terá que correr muito antes de O Mestre e o Divino poder chegar ao mercado, já que não está totalmente acertada a questão dos direitos autorais. “Houve um cachê para o Adalbert, que foi meio de compra dos direitos autorais dele”, explicou Tiago. “Mas ele não quis dinheiro e sim um Mac Book Pro pra ficar no nível do Divino”, disse Carelli. O produtor executivo informou ainda não ter conseguido acertar a questão dos direitos de imagem da apresentadora Xuxa, que aparece nas gravações de seu programa num dia em que Divino, ainda guri, participou: “Estamos tentando, mas nunca conseguimos chegar nem perto da produção dela”.
Filmes de Brasília, Paraíba e Bahia em debate dos filmes de ficção
O curta-metragem de animação RYB é resultado de um ano de oficina na Escola Ozzi de Audiovisual de Brasília, empresa que há 10 anos atua na área de animação no DF. Foi o que afirmou Maurício Fonteles, produtor executivo, no debate da manhã de sexta-feira. Ele explicou que a Ozzi realiza a oficina Animus e durante um ano produz os curtas. “Muita gente que nunca teve contato com a animação ou o cinema tem a possibilidade de participar deste processo, que é tão doloroso”, disse. “A gente passa três meses modelando e texturizando um elemento, por exemplo, e ele passa apenas três segundos na tela”. Mas celebrou: “O filme foi realizado por alunos e profissionais que já foram alunos da gente”.
Os dois jovens diretores de Lição de Esqui, Leonardo Mouramateus e Samuel Brasileiro, amigos na vida real, decidiram também fazer um filme sobre a amizade. E realizaram o curta com o recurso de R$ 20 mil (“tirando os impostos, R$ 15,5 mil”, disseram), conseguido via edital da Prefeitura de Fortaleza. Colegas desde os tempos da UFC – Universidade Federal do Ceará, os dois não se furtam a afirmar: “A gente faz do jeito que dá. São muitas tomadas que a gente junta pra fazer o filme. E sempre deixamos espaços para a improvisação. Gostamos de trabalhar os vazios”.
Equipe e elenco de Depois da Chuva compareceram em peso ao debate. Responsável por trazer de volta às telas o ano de 1984 e toda a excitação que havia nas ruas pela aprovação das Eleições Diretas, o filme suscitou comparações com o momento atual da realidade brasileira. “Nós filmamos entre junho e julho de 2012, bem antes das manifestações, mas agora o filme ganhou outras possibilidades de leitura”, disseram os realizadores baianos Cláudio Marques e Marília Hughes.
Partiu de Cláudio a afirmação de que o longa-metragem tem grande inspiração autobiográfica. “Tive meu despertar político e amoroso na década de 80 e lembro a sensação de impotência quando Sarney foi empossado Presidente da República. Conversando sobre isso com Marília, ela viu que estava aí o tema para nosso primeiro longa”, relatou. Segundo disse, os dois se interessaram também pelo fato de este período da história brasileira ser pouco retratado. “Por que há tão poucos filmes sobre este período? Isso nos intrigou e achamos que é porque gerou uma frustração muito grande. A gente ficou muito tempo sem conseguir falar sobre o que aconteceu”, argumentou Cláudio Marques.
Marília Hughes confessou ter buscado inspiração no filme Água Fria, do francês Olivier Assayas, para mostrar a história de amor entre dois adolescentes: “Tem uma energia nesse filme do Assayas que a gente queria para o nosso filme”, disse. Por isso, a escolha do elenco foi fundamental. “Fizemos uma pesquisa ampla em Salvador, nos colégios, grupos de teatro, entrevistas por skipe, presenciais e tudo o mais. Depois que conhecemos o Pedro (Pedro Maia, protagonista do filme), soubemos que estava ali nosso personagem e a partir dele fomos selecionando todo o resto do elenco”.
E de onde veio a inspiração para a inclusão de cenas de arquivo do movimento das Diretas Já? “Nós queríamos mostrar que existia um abismo entre o discurso empolado dos políticos e a juventude”, explicou Cláudio Marques. “Os anos 1980 marcam o fim das grandes utopias. Quisemos mostrar o fosso que há entre o político profissional e o jovem utópico”.
A 46ª edição do FESTIVAL DE BRASÍLIA DO CINEMA BRASILEIRO tem coordenação geral de Sérgio Fidalgo, coordenador de Audiovisual da Secretaria de Estado de Cultura do GDF. O Patrocínio é da Petrobras, BNDES, Terracap e BRB. Apoio da Lei de Incentivo à Cultura, Inframérica (Aeroporto de Brasília), Câmara Legislativa do Distrito Federal, Canal Brasil, TV Brasil, Revista de Cinema. Realização: Instituto Alvorada Brasil, Secretaria de Cultura, Governo do Distrito Federal e Ministério da Cultura.