VISITA GUIADA E DEBATE
JOSAFÁ NEVES, BENÉ FONTELES E LÊDA GONÇALVES REFLETEM SOBRE A DIÁSPORA NEGRA
A influência da cultura africana na formação da identidade cultural brasileira, a religiosidade, a violência sofrida pelos ancestrais trazidos como escravos para o Brasil são alguns dos temas que irão permear a visita guiada e o debate reunindo o artista Josafá Neves, o curador Bené Fonteles e a pesquisadora Lêda Gonçalves de Freitas, Mestre em Educação e Doutora em Psicologia Social e do Trabalho, nesta quinta-feira, dia 30 de março, a partir das 18h, na Galeria Principal da Caixa Cultural Brasília. Eles prometem percorrer a exposição DIÁSPORA – JOSAFÁ NEVES, comentando as obras e depois instigar convidados e público espontâneo a refletirem sobre o movimento que transformaria para sempre a cultura do continente americano.
A ideia é levantar questões cruciais para a sociedade brasileira e que estão refletidas na obra de Josafá Neves. Em DIÁSPORA, o artista exibe o resultado de quatro de pesquisa sobre o tema do movimento involuntário que trouxe milhões de africanos como escravos para o Brasil. Suas obras apresentam personagens ícones da cultura brasileira, esculturas com representação de entidades sagradas das religiões de matriz africana, um trabalho composto junto com estudantes de escolas públicas de Brasília e muito mais.
Segundo o curador, Bené Fonteles, na mostra estão “retratos da redenção de um povo que junto aos povos indígenas deu mais que cara, coração e identidade à nação brasileira: deu-nos alma com arte poética!” Todos são convidados!
ALÉM DA LUZ E DA SOMBRA
Depois de cinco séculos da Diáspora Negra, um artista negro, ao contrário da dispersão, reúne numa mostra, contundente e forte, retratos da redenção de um povo que junto aos povos indígenas deu mais que cara, coração e identidade a nação brasileira: deu-nos alma com arte poética!
Somos recebidos na mostra por um Oxóssi, o orixá senhor das florestas, todo encarnado em madeira das raízes de árvores. A deidade montada sobre estranho bicho incrustado de chifres de boi, é vinda do mundo dos invisíveis. O orixá tem a mão forjada em bronze e como matriz modelar a mão do próprio artista que segura arco e flecha de Oxóssi, seu símbolo e ferramenta que lhe ancora no terreiro e nas oferendas.
Frente a Oxóssi está a grande tela onde Oxalá é reverenciado e amado por seus filhos como é a luz solar e a consciência divina firmada no humano. No meio da densidade de cores escuras, Oxalá ilumina e evoca sabedoria de sua condição anciã de sábio da tribo e no reino dos orixás do qual pertence ao panteão maior.
A série “navios negreiros” nos toca pela denúncia da condição miserável que os escravos vindos d’outro lado do Atlântico, eram transportados nas galés – quase um milhão, diz-se, morreram na dura travessia – e que se transformam nas pinturas em revoltados, feras, ratos, disputando restos, no rastro do esquecer origens que tiveram que fazer ainda em África, contornando as “árvores do esquecimento” num ritual cruel contra a memória afetiva e ancestral.
Na série de retratos, quase anti-retratos, desfilam personagens fundamentais à cultura do Brasil como Pixinguinha, Milton Santos, Clementina de Jesus, Mãe Stela de Oxóssi, Cartola, Elza Soares, Luiz Gonzaga, Gilberto Gil, Nelson Sargento, Itamar Assunção e outros. Quase todos pintados em gestuais de desconstrução, não só do imagético, mas de suas próprias personalidades públicas fixadas pela mitologia das linguagens das mídias.
Os “retratados” são mais do que são. Aparecem também seus lados sombrios em meios ao denso pretume que predomina para realçar o essencial das cores. Suas almas parecem guardar desvelados sofrimentos e mistérios evocados da escravidão até cá.
Josafá mostra mais que o reinado das aparências. Quer mais do que parecenças dos seus personagens vindas da admiração e respeito que sente pelas suas atitudes cidadãs e artísticas. Recria mais que retrata ao tira-los do mundo das sombras e saber que eles também têm seus lados sombrios.
Sim, o ser sombrio, o sofrido, o interno, ganha dimensão quase onírica, mítica. Sabe-se que o milagre da redenção negra, foi tirar dos sofrer cotidiano tanta refinada arte, e em tantos geniais sambas, uma triste alegria que faz nossos interpretes do verdadeiro Brasil cantarem sorrindo o que as vezes tem o dom de trágico.
Vejam a poesia e a interpretação sentida, perfeita e precisa de suas composições, como o fazem os mestres Cartola, Nelson Cavaquinho e Lupicínio Rodrigues. Suas canções, que nenhum outro intérprete poderia cantar com a mesma propriedade, altivez e sabedoria de suas experiências existenciais. Pois exala verdade e integridade de suas sabedorias e dissabores amorosos que invadiram nosso imaginário para sempre e nos fizeram leais ao que somos e transcendemos.
O extraordinário autorretrato de Josafá transcende, entre o negro e o magenta, com espertas sutilezas cromáticas como a que há em várias outras telas. A obra muda de cor e forma ao descolamento de nossos corpos e incidências de luz, como acontece em outras pinturas – como a de Elza Soares: “carnegra” que ganha força lúdica no desvelar e velar-se intensamente.
É esta “carnegra” que habita muitas das pinturas, figura e fundo, que se fundem com sabedoria na fatura pictórica, serve de moldura para seres que estão além de si mesmos num mundo mito-poético como a morada dos seus ancestrais africanos. Seres que nunca deixam de ter pertencimento a suas raízes, reconheçam-nas profundas ou não. Não importa de que geração ou mestiçagem em séculos: todos são africanos.
Estas raízes míticas, ancestrais, gravitam – no meio da mostra – em torno de um Xangô esculpido em madeira. Uma pilha de energia das pedras e montanhas que o orixá personifica. Ele segura seus dois machados duais da justiça e equilíbrio e vibra sua presença real no sentido também de força e majestade. Muitos destes retratados vieram de casas e estirpes reais além-mar, para sofrerem a humilhação das perdas. Sabe-se que a escravidão existia entre as cortes africanas e muitos escravos foram vendidos por senhores e reis aos traficantes e eles mesmos os eram. Também reis e rainhas chegaram aqui escravizados e grandes mães de santos da Bahia eram de linhagem real como Mãe Senhora. Basta ver o porte de nobreza de Mãe Stela de Oxóssi na pintura do artista.
Com todo o lado injusto, foi plantada, aqui do lado também aborígene do Atlântico Sul, uma nova civilização que ainda nasce, a cada dia, imatura e sofrida. Nela ainda habita uma sociedade segregadora e desumana que, da senzala à favela, ainda teima em não subscrever e praticar os ideais abolicionistas.
A “Diáspora” pintada por Josafá Neves nos dá um soco na cara e na alma, e mais do que nos acusa, ela nos instiga, provoca para uma consciência além da negritude que, felizmente, nos tinge do melhor o sangue de nossos corpos mestiços e nos faz além de plurais, originais e singulares aos olhos do mundo.
Sua arte nos ilumina como faz Oxalá, que é pai de todos, de brancos, índios, negros, caboclos e reina em compaixão sobre os que podem transmutar o sofrimento em alegria criativa, em uma arte transcendente que vá além do dó e da dor.
Bené Fonteles, Brasília, 2016.
SERVIÇO
Local: CAIXA Cultural Brasília | Galeria Principal (SBS Quadra 4 Lotes 3/4)
Data debate e visita guiada: 30 de março, às 18h
Visitação: até 14 de maio de 2017
Horário: de terça-feira a domingo, das 9h às 21h
Informações: 61 3206-9448 | 61 3206-9449
ENTRADA FRANCA
Classificação etária: Livre para todos os públicos
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