46º FBCB – SEMINÁRIO SOBRE CINEMA BRASILEIRO NO ESTRANGEIRO TRAZ RENOMADOS ESPECIALISTAS PARA O FESTIVAL DE BRASÍLIA

A repercussão crítica e a acolhida de público para o cinema brasileiro no exterior foram debatidas por renomados estudiosos de outros países. Brasilianistas confessos, há décadas os especialistas Randal Johnson, da Universidade da Califórnia (UCLA), e Gian Luigi Rosa, da Universidade de Salento, empreendem pesquisas e dedicam suas vidas acadêmicas na composição de um novo olhar em torno das relações entre indústria, cultura e cinema, contribuindo ainda para conferir visibilidade às produções brasileiras, especialmente as obras modernistas e associadas ao período do Cinema Novo.

Mediado por Tania Montoro, professora do curso de audiovisual da Universidade de Brasília, a primeira parte do seminário Olhares Multiculturais: o cinema brasileiro no estrangeiro lotou a sala Caxambu, nesta sexta-feira, 20, trazendo informações quanto à popularidade, alcance e recepção da produção cinematográfica nacional.

RECEPÇÃO DO CINEMA BRASILEIRO NOS EUA – Autor de diversos livros e ensaios – como The Film Industry in Brasil, Literatura e cinema: Macunaíma do Modenismo na Literatura ao Cinema novo e Brazilien Cinema–, Randal Johnson conhece como poucos a literatura e o cinema que marcaram e singularizaram diversos períodos do século XX. Em um rápido sobrevoo sobre sua trajetória, Randal contou que o seu fascínio inicial pelo Brasil foi a partir de um disco de João Gilberto interpretando Tom Jobim, quando cursava seu primeiro ano de faculdade, em 1967. “Passei a trocar meus LPs do Jimi Hendrix por discos de Música Popular Brasileira”, relatando ainda que sua primeira vinda ao Brasil se deu há exatos 35 anos. A partir daí seu interesse pela cultura brasileira se tornou progressivo, “um caminho sem volta” – percurso que pode ser ilustrado a partir de sua pesquisa de mestrado sobre a obra do dramaturgo Adonias Filho e sua tese de doutorado sobre o modernismo brasileiro na perspectiva do Cinema Novo, por meio da adaptação de Macunaíma.

Com simplicidade e simpatia, Johnson contou ainda da “feliz oportunidade” de conviver com importantes intelectuais brasileiros – tanto em São Paulo em ocasião a pesquisas na USP em 1975 quanto no Rio de Janeiro –, que acabaram se tornando seus parceiros em publicações temáticas diversas, como Haroldo de Campos, Joaquim Pedro de Andrade, Ismail Xavier, José Carlos Avellar, Nelson Pereira dos Santos, Cacá Diegues, Eduardo Escorel, Arnaldo Jabor, Rui Guerra, bem como o “mestre Paulo Emílio Salles Gomes”.

Sobre a recepção do cinema brasileiro nos Estados Unidos, sob a perspectiva acadêmica e de mercado, o especialista avalia que hoje essa produção circula mais que em outras épocas, principalmente por causa da facilidade de downloads e exibição nas novas mídias- Youtube, Netflix, Vimeo e Streaming Video. “Há pelo menos 150 filmes brasileiros disponibilizados no Youtube, infelizmente muitos sem legenda”, diz. “Os festivais de cinema brasileiro no exterior, como em Miami, Los Angeles e São Francisco, além de mostras em universidades, também contribuem para a divulgação”, acrescenta.

Randal apresentou ao público uma compilação dos 25 filmes brasileiros, produzidos desde a década de 90, mais populares nos Estados Unidos, considerando aspectos como número de salas em exibição, crítica especializada e receptividade do público. Destacam-se Ensaio sobre a Cegueira, que se manteve em cartaz em 90 salas, Cidade de Deus (242 salas), Central do Brasil (144 salas), Bossa Nova (59 salas) e O ano em que meus pais saíram de férias (30 salas). Em último lugar, Heleno, exibido em apenas quatro salas. Fenômeno de exibição no Brasil, Tropa de Elite 2, de acordo com sua pesquisa, não obteve o mesmo alcance, tendo ficado em cartaz em somente sete salas. Desse universo de filmes lançados em salas de cinema, 23 são ficção e dois documentários, tendo como principais distribuidores Miramad, Strand e New Yorker. Os preferidos pelo público foram Cidade de Deus, Ônibus 174, Lixo Extraordinário e Central do Brasil.

Segundo avalia Randal, filmes como Tropa de Elite 1 e 2, Cidade de Deus, Carandiru e Ônibus 174 reforçam estereótipos que já existem nos EUA sobre o Brasil, contribuindo para “glorificar a violência e a corrupção política”. “Em compensação, a preferência por filmes como Lixo Extraordinário, Central do Brasil e O ano em que meus pais saíram de férias valorizam supostos valores universais – criação artística por um lado, solidariedade humana por outro”, complementa.

ANÁLISE DISCURSIVA – Já Gian Luigi de Rosa, professor da Universidade de Salento/Itália e organizador do livro Alle Radicidel Cinema Brasiliano e autor de diversos ensaios sobre o cinema brasileiro, como Em busca de uma terceira margem cinematográfica, expôs sua pesquisa intitulada A polarização dicotômica do espaço discursivo na reelaboração ficcional do Rio de Janeiro, entre favelas e zona sul. Tradutor de autores como Zélia Gattai e Luiz Rufatto, Gian Luigi atua ainda na organização de festivais de documentários brasileiros na Itália.

A linguagem assumida por personagens de filmes de sucesso de bilheteria no Brasil, como Cidade de Deus e Tropa de Elite, especialmente no contexto das favelas, é analisada por Gian Luigi: “Constitui um importante aporte didático, por representar uma significativa realidade atuante em relação ao público, já que chega até mesmo a alterar os usos linguísticos dos brasileiros”, referindo-se às estereotipadas simulações das falas espontâneas.

A contraposição flagrante entre a filmografia da década de 60 – Pixote, a lei do mais fraco e Rio Zona Norte, Rio 40º, por exemplo – marcada pela “estética da fome” de Glauber Rocha, de matrizes míticas e conteúdo fortemente político, e a produção cinematográfica a partir dos anos 90 foi abordada pelo especialista. “Valho-me do termo cunhado por Ivana Bentes para caracterizar o que domina a cena cinematográfica hoje: a cosmética da fome”, diz, o que reforça a polarização espaço-social e a composição de uma “estética publicitária” e chavões de linguagem, em uma direção mais comercial e televisiva. “São diretores que lucram a partir de temáticas sociais, com imagens espetacularizadas, estereotipadas e efeitos publicitários em detrimento do forte conteúdo social”.

As chamadas “comédias de bairro” – de fácil assimilação e alcance –, como Pequeno Dicionário Amoroso e Se eu fosse você 1 e 2 e A Guerra dos Rocha, também foram criticadas por Luigi, já que os espaços retratados em geral são “depurados da presença física das favelas”, geralmente circunscritos a Leblon, Ipanema e Copacabana.

O seminário prossegue neste sábado sob a mediação da professora Lavina Ribeiro, da UnB.

A 46ª edição do FESTIVAL DE BRASÍLIA DO CINEMA BRASILEIRO tem coordenação geral de Sérgio Fidalgo, coordenador de Audiovisual da Secretaria de Estado de Cultura do GDF. O Patrocínio é da Petrobras, BNDES, Terracap e BRB. Apoio da Lei de Incentivo à Cultura, Inframérica (Aeroporto de Brasília), Câmara Legislativa do Distrito Federal, Canal Brasil, TV Brasil, Revista de Cinema. Realização: Instituto Alvorada Brasil, Secretaria de Cultura, Governo do Distrito Federal e Ministério da Cultura.